segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

COLABORAÇÃO DA PROFESSORA CELESTE CORREIA

É com muita alegria e satisfação que hoje publicamos dois belos textos da autoria da professora Celeste Correia que, apesar de não estar já ao serviço da nossa escola, nos continua a querer bem... e nós a ela! Parabéns!

Os Rios da Minha Infância


Foi uma vez, num tempo já quase sem nenhuma Primavera, embalada pela magia que convida ao devaneio, dei comigo, vezes sem conta, a procurar os Rios da Minha Infância, cansada de ler os seus nomes nas placas das estradas e de olhar os seus leitos rendilhados de secura…Quantas vezes cheguei a pensar que os títulos de seus nomes espalhados ao longo dos caminhos e estradas, mais não são que uma lápide a recordá-los à posteridade. Houve mesmo ocasiões que, antes de ler os seus nomes, antepus: “Aqui jaz o Rio…” e acrescentei-lhe o fervor de uma prece saturada de emoção que, pelo passado, era Louvor e pelo presente/futuro um Lamento.
Em vão, procurei o murmúrio das correntes, o chilrear dos pássaros nos ramos dos Salgueiros que bordejavam as correntes… sonhando ao som das cascatas que rachavam as montanhas e entoavam hinos à Natureza que não fala a nossa linguagem… até as pedras se esconderam para dar lugar a detritos e pastos ressequidos…Quando acontecia ver repetidos, mais à frente, o mesmo nome de Rio, chegava a pensar que tinha acabado de pisar um túmulo! Deveria ter voado sobre aquele espaço, em sinal de homenagem.
Não vivi assim tantos anos ainda para esquecer os rios e regatos e ribeiros da minha infância.
O que eu gosto mesmo é da Montanha, quando a chuva cai em rajadas, ao som da música das cascatas, em véu de noiva delicioso e puro e forte, abrindo socalcos, recheando de beleza, passo a passo, a caminhada,
A água era cristalina, espelho sempre à mão das nossas vaidades e fantasias e os seixos que ela acariciava, eram espelhos fixos que os da água corrente, levavam as nossas imagens pelos caminhos dos nossos sonhos que embalavam aventuras. A Pureza da água que pulava tornava as pedras brilhantes. Lembravam canções de embalar sonhos! Quantas vezes, com os meninos da minha idade nos sentámos, ali antes do Sol se pôr, pelas tardinhas, a imaginar a vida naquela água correndo, correndo para o Mar! Era sempre água e nunca era a mesma água e todos os dias corria, corria, corria, assim como o tempo, sem tempo, a acompanhar a vida sempre renovada, continuada, em nós e na Natureza! A água corria para o Mar e nós íamos com ela, crescíamos…crescíamos… nossos olhos desenhavam montanhas e nas nossas cabecinhas viviam aventuras inimagináveis viajando com as águas até ao Imenso do Mar. Procurávamos viver aquele sortilégio de vida fazendo viagens inesquecíveis em barquinhos de papel feitos dos poucos jornais velhos, que outro papel não tínhamos,( os haveres eram escassos) e aí tomávamos lugar, em barcos de mistério.
Debaixo dos Salgueiros construíamos casinhas de brincar que enfeitávamos com miosótis colhidos ali, à beira do rio. Corríamos pelos verdes campos embalados pelo canto dos passarinhos, admirando as ovelhas e as cabras saboreando os rebentos tenros e doces e as vacas que pastavam pachorrentas.
Regressando àquele tempo, já no despedir da Primavera, tenho dificuldade em entender esta transformação violenta que o Mundo sofreu. Assistimos à Explosão da Ciência e da Tecnologia mas… com a evolução veio também a Poluição. Os Rios foram secando, secando e destruindo… destruindo… A água deixou de nos acariciar, deixou de nos purificar, os nossos sentires abandonaram ressonâncias afectivas que moldavam a nossa inteligência e norteavam o nosso comportamento em sociedade e as nossas relações humanas tornaram-se frias e áridas, tantas vezes indiferentes e surdas…destruidoras, vezes sem contar e… continuamos seres inteligentes e interventivos!...
Chama-se “Cesarão” o Rio que me viu nascer. É o maior Rio do (meu) Mundo. Continua a correr, quando pode, debaixo de uma ponte romana, de três arcos que era para mim, a maior ponte do Mundo como essas que são Obra Prima da Tecnologia e de Arquitectos célebres. O segundo Rio foi o Côa. afluente do Mondego cujo caudal era acalentado pelas ribeiras e regatos que o Rio Cesarão lhe entregava acariciando-o com uma ternura sem sequer lamentar perder identidade.
Hoje, procuro todos os Rios cujos nomes vou sabendo no Mar onde se perderam. Tal como a Vida Humana vai acontecendo e passando assim os Rios da minha infância que deixaram marcas Indeléveis e Universais.
Não falo dos grandes rios, esses ainda vão continuando sustentados pela Tecnologia. Presto a minha homenagem àqueles pequenos regatos, ribeiras e rios que alimentavam os povos por onde passavam e fertilizavam os campos e matavam a fome a todos.
Também havia guerras e lutas. O sangue misturava-se com as águas e purificava, se não a alma… as mãos.
O meu Rio “Cesarão” também se zangava e vi-o uma vez em fúria. Veio com uma avalanche de lama mas abençoou a terra e fertilizou-a. As hortas, naquele ano, foram muito generosas. Depois, este Rio já vinha de tempos antigos e distantes. Alimentavam-se das suas águas todos os povos que vieram à Península Ibérica: Iberos, Celtas, Fenícios, Cartaginenses, Visigodos, Romanos...
Quanto valem os “Rios da Minha Infância”?!
Não ficariam bem no lugar das Centrais Nucleares?
Que força restituirá, no coração do Homem, o encanto daquele viver, naquela despedida de Primavera!? Naquele tempo, já sem nenhum tempo… recheado de Vida!?

Maria Celeste Brigas Dias Correia
Em Coimbra, sem Tempo.


As Auto-Estradas, Visão do Futuro

Num tempo, ainda sem nenhum tempo, a Lua desviava-se da sua imagem reflectida no rio que, calmamente, ia correndo, devagarinho, para o Mar. Os nossos olhares reflectiam a tranquilidade de um sentir pleno de admiração e louvor! Ali ficávamos, cercados de montanhas, montados num jumento, embalados, perdidos naqueles caminhos, sem estradas, trilhando socalcos, aqui e além, para abrir caminhos que, após a nossa passagem, voltavam a fechar-se. A noite ia dando lugar ao dia que o Sol fazia acordar. Sentíamos a orquestra da Natureza que harmonizava a paisagem com o canto dos passarinhos, o murmúrio das águas que corriam nos vales, saltavam nas cascatas e os regatos abraçavam os caminhos que percorriam. Assim a Natureza ia mudando lentamente de cenário, à medida do nosso caminhar e convidando-nos a um diálogo cúmplice e silencioso. A Terra queixou-se do tempo em que “tudo era informe e vazio”. Com o decorrer dos séculos foi crescendo, crescendo, vestindo-se de esplendor. Reinava em beleza e harmonia. No seu seio existia um “Paraíso” . A Natureza, cada vez mais Bela, vivia e sonhava. Sonhava e expandia-se; porém, um dia de inaudita felicidade, pediu ao Criador alguém capacitado para admirar tudo o que Ela, Natureza, não sabia e uma voz que também não tinha para entoar Hinos de Louvor. E o Homem apareceu na Terra! Com ele, depois do “ Big-Bang” da Criação foi aparecendo o “ Big-Bang” da Civilização e da Ciência. E o homem, tal como modelou e aprimorou a Natureza com o avanço da Ciência e da Tecnologia para ter uma vida mais suave e agradável ao seu viver, levado pela ambição, confundiu as coisas e fez o caminho inverso. Foi andando, andando até à idade do petróleo que extraiu do ventre da Terra. Foi a vez da Terra viver a euforia das suas riquezas, confundindo Beleza e Arte arrastada pelo homem. Este criou estradas no solo e no ar, aproximou Mares e Continentes; arrancou árvores, destruiu florestas, rebentou montanhas, destruiu as hortas e os verdes, desviou os Rios e a Lua perdeu-se…os Rios eram o seu espelho! Matou quilómetros sem conta e vestiu-os de negro alcatrão. Inventou carros cada vez mais potentes. A poluição enraizou-se na Natureza e no coração do homem caminhando a passos largos para a destruição. As Auto-Estradas são o novo tapete destruidor daquele “Paraíso. Invadiram caminhos e vales e planícies que disponibilizavam os espaços para cultivo dos alimentos e, a pouco e pouco, foi-se instalando a fome… E continuam corpos humanos soterrados na argamassa das Estradas!...
Não teria sido possível conjugar Ciência e Tecnologia para continuar a Harmonia da Natureza tendo o Homem como centro para a usufruir, admirar e louvar!?
Então a Lua desabafou: “ Quebrou-se o meu Espelho. Apagou-se o meu Sol. Não quero iluminar o negro do alcatrão nem o negro sangrento de Estradas e ódios de guerras”!
E … em tempo, já sem nenhum tempo…
… Foi a vez do Sol convidar a Lua e descansaram. O Petróleo e seus derivados regressaram ao berço. E o homem teve saudades dos tempos em que se vestia de folhas, bebia a pureza das águas, comia frutos silvestres, ia ao encontro de outros homens que caminhavam vestidos de nu, de alma singela, em direcção ao refúgio da Noite dos Séculos.
É um sonho!? Uma miragem!?
Quando a Poluição e o Petróleo regressarem ao Ventre da Terra, voltaremos àquele tempo, sem tempo e, no refúgio duma Noite sem dia, repleta de Sol e Lua encontraremos o nosso tempo de meninice prolongado na infância.
Não teremos Auto-Estradas mas teremos milhares de milhões (incontáveis) de caminhos de liberdade, de felicidade, de pureza e encontros...
É Belo e Bom e Cómodo o Progresso! Estar em simultâneo e veloz em vários espaços, ver Mundos desconhecidos que a Ciência e a Tecnologia nos oferecem… Mas a que preço!..
Curvo-me diante das maravilhas da Ciência e da Tecnologia e dos Caminhos de avanço que este Século, pela dedicação, esforço e inteligência do Homem que se vai desafiando a si próprio, nos oferece mas, gostaria de dizer às gerações dos mais novos que outro viver, não menos belo, encantou as nossas vidas, nas aldeias remotas e abandonadas deste Velho Portugal, quando as estradas eram só caminhos!
E no Céu só moravam Estrelas!

Coimbra, sem tempo.
Maria Celeste Brigas Dias Correia

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