1. Histórias que nos atam
Dezembro 1996. Sertã. Parcos de recursos com vontades
grandes, os miúdos ouviram o desafio:" É preciso arranhar um adereço para
a canção 'Bdung-Gzó, o Robot', que
vão apresentar. Pensem nisso".
Choveram ideias. Na semana seguinte, todos os
alunos da turma trouxeram para a sala de Educação musical aquilo que lhes tinha
parecido ser a representação mais adequada e digna que um robot pode ter: um
funil. Um funil de lata, um funil de plástico, um funil de cortiça, um funil
com cheiro a vinho, um funil com restos de azeite... Um funil que, enfim, bem
traduzia o modo de viver de cada um deles.
E num dia vestido de frio gélido da vila, foram
estes funis tão cheios de ternura e de significado que abrilhantaram a festa de
Natal. Mas ali, naquele momento, não se sentiu frio.
2. O Chocolate da Matilde.
A ideia de ir ao Zoo parecia estar cada vez mais
distante.
Já havia desenhos feitos e planos traçados com os
colegas. E as imagens que a Diretora de Turma tinha mostrado ultrapassavam tudo
o que nas suas noites de menina havia sonhado.
E até o seu escalão A evitava à família uma
despesa muito difícil.
Mas o transporte, no regresso, estragava tudo...
O autocarro que nos havia de trazer de Lisboa chegava já depois do transporte
escolar. Para os outros colegas, não havia problema de maior, pois estavam
desenrascados com as boleias dos pais ou dos amigos. Mas ela não. De sua casa
até à paragem onde entrava e saía, Matilde ainda tinha de percorrer, a pé, três
quilómetros.
- "Olha Matilde"- disse-lhe, "se
falar com os teus pais achas que eles deixam que te leve a casa?".
Matilde arregalou os olhos e, engasgada, não sabia bem o que dizer.
Decidiu-se a Turma por ela: " Sim!!!".
Depois do grande dia chegámos cansados mas, sobretudo satisfeitos. Tinha
sido uma boa ideia ir ao jardim Zoológico (para a maioria, pela primeira vez).
Passaram-se já alguns anos. Nunca mais vi nenhuma daquelas crianças, mas
gosto de as imaginar felizes...
E há uma coisa de que nunca mais me esqueci: quando chegámos a casa da Matilde
- uma casa de pedra - havia uma sala onde quase só cabia a mesa que a família
tinha preparado para nos receber e agradecer. E com muitos pedidos de desculpa,
havia bolachas e um chocolate, que guardei. Naquela altura, não consegui que
nada passasse pelo nó tão apertado que tinha na garganta...
3.
Rosinha
A serra, no Inverno, contorcida ao longo das curvas da estrada, cobre-se de
um manto de gelo que se espalha sobre o alcatrão, tornando-a numa bela mas
perigosa passadeira translúcida por onde circulam os passantes.
Ao longe, avista-se a Peneda, imponente e protetora, fazendo moldura à tela
de pinheiros e lugares. Daí a pouco, avistar-se-ia a "minha" Escola.
Antes de chegar a Góis, na continuidade do caminho, fica o Barreiro, uma
aldeia à beira da estrada. Num casario disperso, mora a nossa aluna Rosinha.
O ano vai passando. A serra modifica as suas vestes de acordo com as
estações e os estados de espírito vão-se metamorfoseando e adaptando, também.
Viagens, idas, regressos, desencantos, alegrias... Permanece inalterável o
sorriso da Rosinha que todos os dias (numa espécie de bênção) nos saúda e corre
durante alguns segundos paralela ao carro, acenando com a sua pequena mão:
"Olá! Olá! Bom dia!".
4.
O Mar do André
Na descrição do mar, a cor podia ser uma qualquer. Bastava que tivesse
infinito e uma força tão grande capaz de derrubar os maiores gigantes que
tivesses existido.
Para o André era assim. O que os olhos nunca tinham visto, imaginava-o o
coração a seu proveito.
No rescaldo da Expo 98 foi organizada uma visita de estudo ao parque das
Nações. Tudo era êxtase. Houvesse alma para tanto...
De repente, o inesperado aconteceu. De dentro de uma espécie de chaminés,
vindo do nada, um jato de água irrompeu pelo céu. E o André viu o mar.
Maria João Leitão
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